Avisa, com toda a razão, Rui Ramos, no Observador:
Em Junho de 2004, o primeiro-ministro Durão Barroso
aceitou o convite para presidente da comissão europeia. O PSD escolheu Santana
Lopes para lhe suceder. O governo era então apoiado por uma maioria absoluta do
PSD e do CDS. No entanto, o PS, o PCP e o BE reagiram violentamente. Foi
explicado que as eleições legislativas eram essencialmente um plebiscito aos
candidatos a primeiro-ministro, e que Santana, sem eleições, seria um
chefe de governo “ilegítimo”. Houve manifestações em frente ao palácio de Belém
a exigir eleições antecipadas. A 9 de Julho, quando o presidente optou por dar
posse a Santana, o secretário-geral do PS demitiu-se. A dramatização resultou:
em Novembro, o presidente acabou por dissolver a assembleia, apesar de o
governo nunca ter perdido a maioria absoluta no parlamento.
Estas eram as regras, segundo o PS: o
primeiro-ministro só podia ser o líder do partido que ganhasse as eleições com
mais votos do que os outros partidos. Como explicou António Costa,
em Setembro de 2009: “os portugueses conquistaram um direito a que não podem
nem devem renunciar: o direito a que os governos não sejam formados pelos jogos
partidários, mas que resultem da vontade expressa, maioritária, clara e
inequívoca de todos os portugueses.” Eram ainda as regras a 4 de Outubro deste
ano. Já não eram no dia seguinte.
O avanço estratégico do BE e do PCP
Vamos falar então de “jogos partidários”, que é donde
agora saem os governos. Para António Costa, o jogo é óbvio: só como primeiro
ministro pode voltar ao Largo do Rato sem correr o risco de ser pendurado numa
árvore. Para o BE e o PCP, também: é o jogo de sempre. Ao contrário do que se
diz, não foram eles que mudaram, foi Costa. O PCP e o BE estiveram sempre
dispostos a apoiar um governo do PS: bastaria que o PS rompesse com a
“direita”. A expressão “maioria de esquerda” foi aliás inventada pelo PCP em
1976. Em 1987, o PCP esteve pronto, com o PRD, a juntar-se no governo ao PS. Em
todas as ocasiões, foi o PS – ou, mais precisamente, Mário Soares — , que
recusou misturar-se com o PCP.
O PCP e o BE não querem por enquanto tirar Portugal da
NATO ou do Euro. O PCP e o BE são partidos leninistas, e os leninistas
aprenderam a actuar por “etapas”. Nesta “etapa” inicial, têm dois objectivos:
comprometer e condicionar o PS, e aceder aos recursos do Estado (o “queijo
Limiano” também é vermelho). A declaração de Catarina Martins ontem, ao abolir
o governo PSD-CDS após uma conversa com Costa, revela o jogo: o BE e o PCP
estão resolvidos a um “recuo programático”, se isso corresponder a um “avanço
estratégico”, que deixe o PS à sua mercê.
A redução do PS
Vigora ainda a tese de que esta é a ocasião de o PS
comprometer no governo o PCP e o BE, de modo a absorver os seus eleitores.
Talvez sim, mas talvez não. O PS, no caso de Costa realizar o seu “governo de
esquerda”, corre dois riscos. O primeiro é ajudar a fixar, a partir do Estado,
o eleitorado até agora volátil do BE. Nunca mais o PS se livraria da concorrência
bloquista, como ao fim de 40 anos ainda não se livrou do PCP, devido ao poder
que os comunistas adquiriram nas autarquias e nos sindicatos.
O segundo risco é o PS perder os seus eleitores
“moderados”. A partir do momento em que o PS fizesse parte de um bloco com dois
partidos que, mesmo sem conspirarem nos quartéis, não acreditam na democracia
pluralista nem na economia de mercado, muitos cidadãos que acreditam nessas
coisas hesitarão em votar PS. Ou seja, o resultado do jogo de António Costa
poderia ser uma redução do voto do PS, e a consolidação eleitoral do BE, ao
lado do PCP. Nesse cenário, a esquerda passaria a consistir em três partidos, a
valer 10%-15% de votos cada um, e a valerem todos em conjunto menos do que
valem agora. Seria o fim do PS como grande partido de governo e também, por
isso, o fim da “maioria de esquerda” em Portugal. E logo que isso fique claro,
a aliança PS-PCP-BE tornar-se-á mais instável do que um saco de gatos.
A oportunidade da direita
E é aqui que convém entrar em linha de conta com a
direita. Quase toda a gente parece pressupor que a direita ficaria sentadinha e
caladinha enquanto Costa invade São Bento com o PCP e o BE. Não esperem tanta
abnegação. A direita não pode ficar quieta, a não ser que queira desaparecer
numa nuvem de irrisão. Imaginem-se no lugar do PSD e do CDS. Primeiro, tiveram
de executar um ajustamento negociado pelo PS, apenas para verem Costa renegar
todas as responsabilidades e deixar-lhes o odioso. Depois, ganharam as eleições
segundo as regras antigas, apenas para verem Costa mudar as regras e
roubar-lhes o governo.
A conformarem-se sem luta com mais esta golpada de
Costa, os líderes do PSD e do CDS acabariam desacreditados. Também eles, por
uma questão de sobrevivência, serão obrigados a subir a parada. Em 2004, a
enorme pressão criada pelas esquerdas levou Sampaio à dissolução, apesar da
maioria de direita no parlamento. Desta vez, caberia à direita ajudar o próximo
presidente a concluir que o país precisa de uma clarificação
eleitoral, apesar da maioria de esquerda. A direita terá de vir para as redes
sociais e para a rua. Terá de mostrar-se “indignada” com a “ilegitimidade” de
um governo de derrotados nas eleições. Terá de exigir que seja dado ao
povo, em Maio ou Junho, logo que seja possível, o direito de votar numas
eleições em que se defrontem claramente duas coligações, a do PSD-CDS e a do
PS-PCP-BE. Será essa, aliás, a única maneira de evitar maior crise.
Depois de quatro anos de austeridade, a resistência à
“Frente Popular” será para o PSD e o CDS a grande oportunidade de se
reconciliarem com o seu eleitorado e, sobretudo, de recuperarem de vez para uma
maioria de direita os eleitores do PS que acreditam na democracia pluralista e
na economia de mercado. Nunca, por isso, o PSD e o CDS aceitarão o governo
Costa-PCP-BE como “normal” antes de novas eleições.
Uma nova polarização política
É também natural que a “Frente Popular” tente
aproveitar a resistência do centro-direita. Acusará o PSD e o CDS de
“radicalização”, como aliás já está a fazer. Há-de inventar conspirações
“fascistas” e conjuras do “imperialismo alemão”. Fará comícios com Varoufakis e
Pablo Iglesias, com toda a gente a gritar “não passarão”. Radicalizar-se-á mais
do que Costa e até o PCP e o BE têm previsto.
Ficaremos outra vez entre “fachos” e “comunas” como em
1975, para grande confusão das gerações que nasceram depois e que não gostam de
se “enervar” com a política. É verdade que desde vez não há COPCON. Nem por
isso deveremos deixar de recear algum tipo de ruptura política que, num país
meio falido e numa democracia agora sem regras, terá custos e
demorará anos a sarar. E tudo isto para quê? Para António Costa não se demitir
de secretário-geral do PS. A grande história é, por vezes, feita de pequenas
coisas.
3 comentários:
O mais gritante é o atroador silencio do antigo militante socialista democrático Soares, que se tem notabilizado ultimamente por intervenções incomentáveis. Muitos o criticavam, nos tempos do PREC, por se opor a Cunhal e aos outros estalinistas, sugerindo que o fazia não por ser um democrata anti-totalitário mas sim por querer estabelecer o mando do soarismo. E,pelo que se tem visto, tais críticas eram justas? Lamentável. A história vai ser dura para com este ancião que não soube envelhecer politicamente com sensatez e dignidade? A resposta dá-la-á o futuro.
Dorindo Pereira (Pereirinha)
Em certos espaços como o Jornal Sol e em blogues que tentam uma análise séria e esclarecedora, aparecem uns energúmenos com um discurso que lembra os dos adeptos do Sócrates, que agora dizem que é estranho que andem as pessoas preocupadas com os problemas do PS. Os problemas não são do PS, são da Nação. As pessoas têm o direito de se preocupar com o vento de lixo que o Costa tem estado a despertar. O PS não é uma espécie de casa onde não pode entrar ninguém que não seja da famelga isso é que era bom. Portugal é de todos nós e temos o direito e se calhar mesmo o dever de pensar no nosso futuro e dos nossos, não somos criados dos senhores Costa, Jerónimo, Catarina e todos os outros da corda.
Maria Viveiros
Apoiadíssimo, Maria Viveiros!
David Caetano
Enviar um comentário