Escher, Drawing Hands
Estava eu a preparar-me a preparar-me para escrever algumas linhas sobre a nova novidade inovadora (e que, no entanto, seria tão velha como o mundo), consubstanciada na palavra de ordem que percorre o país com a habitual potência canora, propriedade privada dos amanhãs que cantam, a saber: que os partidos políticos são como o Pai Natal, não existem; que as pessoas não sabem, mas votam em tendências, não em partidos; e que, ao fim de 41 anos, atingiram por fim a maturidade em que a verdade lhes pode e deve ser revelada - eis senão quando vejo que Paulo Ferreira, no Observador, me tinha poupado o trabalho. Aqui fica o que ele disse sobre a coisa.
Enquanto António Costa se transforma no protagonista pós-eleitoral e prossegue a sua coreografia, como se estivesse a formar governo, alinham-se as propostas sobre a composição partidária que deve suportar o próximo executivo. O absurdo é tanto que às vezes é preciso regressar ao mais básico. É o que tento fazer hoje.
1 – Quando um partido ou coligação não recolhe a
maioria dos votos expressos então uma maioria de eleitores preferia uma de
outras candidaturas. Isto não tem nada a ver com ciência política, com leituras
da Constituição ou com alinhamentos ideológicos ou partidários. Isto é a mais
básica aritmética, entendível até por uma criança do primeiro ciclo. Não tem
nada de novo e acontece sempre, mas sempre, que um partido ganha sem maioria
absoluta. A aritmética nunca nos falha.
2 – Para não ir mais longe até aos primórdios da democracia, isto
aconteceu com Cavaco Silva em 1985, com António Guterres em 1995 e 1999, com
Durão Barroso em 2002, com José Sócrates em 2009 e com Pedro Passos Coelho em
2011 e 2015. Todos estes políticos têm uma coisa em comum: foram
primeiro-ministro após eleições que venceram mas em que uma maioria de
eleitores teria preferido outros candidatos a chefe de governo. Governaram
quando uma maioria de eleitores queria aquilo que se pode chamar uma “mudança
de política”. E não me lembro de alguma vez, nos seis casos passados, ter sido
sequer colocada a hipótese se não ser qualquer deles a formar governo.
3 – Sem maioria absoluta, estes líderes partidários lidaram com essa
circunstância de forma diversa. Cavaco e Sócrates governaram sem maioria no
Parlamento e acabaram por cair, um derrubado por uma moção de censura
aprovada pela maioria das oposições, outro demitindo-se na sequência de um
chumbo do PEC pelas oposições na AR. António Guterres terminou a primeira
legislatura e demitiu-se a meio da segunda. Durão Barroso e Passos Coelho
fizeram coligações pós-eleitorais com o CDS. Barroso saiu depois para Bruxelas
e o seu sucessor, Pedro Santana Lopes, acabou por ser demitido pelo presidente
Jorge Sampaio. E Passos Coelho terminou a legislatura passada.
4 – Já tivemos, portanto, de tudo um pouco: coligações pré e
pós-eleitorais, governos minoritários que sobrevivem e outros que caem. Até
tivemos um primeiro-ministro que não foi a votos mas que foi empossado pelo
Presidente da República: Santana Lopes. Mas sempre houve uma regra: quem forma
governo é o líder do partido mais votado, que se apresenta nas eleições como
candidato a primeiro-ministro. O apoio parlamentar que os vitoriosos
minoritários depois conseguem agregar é uma questão pós-eleitoral de
negociações partidárias e parlamentares.
5 – O que nunca tivemos na sequência de um acto eleitoral foi a
formação de um governo liderado por um partido que não tenha sido o mais
votado. Colocar esse cenário configura uma deturpação de toda a prática
política passada que nunca foi questionada em sete das dez eleições
legislativas que tivemos nos últimos 30 anos.
6 – O argumento chega a ser infantil: uma maioria de eleitores
querem uma política diferente da defendida pela coligação PSD/CDS. Claro. Como
também em 1985, 1995, 1999, 2002, 2009 e 2011 queriam uma política diferente da
que o vencedor propunha. É lógico: quando mais de 50% dos eleitores vota numa
candidatura que não foi a mais votada é porque não a quer no governo, senão
tinha votado nela.
7 – Regressemos então à aritmética para este caso concreto. O
argumento é: deve ser formado um governo liderado pelo PS porque houve uma
maioria de eleitores, no caso de 61,5%, que rejeitaram o PSD/CDS. Mas se essa é
a lógica temos então 67,6% de eleitores que disseram que não queriam um governo
liderado pelo PS. E 89,8% dos eleitores rejeitaram a política defendida pelo
Bloco de Esquerda e 91,7% votaram em opções diferentes das da CDU. Quando se
opta pela lógica da batata e se prefere olhar para os votos “contra” em vez dos
votos “a favor” é aqui que chegamos: não podemos ter um governo que 61,5% não
escolheram. Mas devemos ter um governo liderado por um partido que 67,6% não
escolheram aliado a partidos que foram rejeitados por cerca de 90% dos votos
expressos. E achamos isto legitimo. Mais: há até quem ache isto democrático.
8 – Fala-se de um “governo de esquerda”. Como se a esquerda – e o
mesmo se pode dizer da direita – fosse una e indivisível, como se a esquerda
fosse toda idêntica e programaticamente próxima. Como se o eleitorado
socialista fosse política e sociologicamente semelhante ao eleitorado comunista
e bloquista. O PS está muito mais próximo do PSD do que dos partidos à sua
esquerda, como é evidente. Não é por acaso que se fala do “centrão” e do “bloco
central”, que as maiores transferências de voto entre eleições são geralmente
entre estes dois partidos e é aí que se ganham e perdem eleições. Os acordos
institucionais estruturais que temos unem PSD e PS mas não o BE e o PCP:
Europa, moeda única, NATO, economia de mercado, tecido empresarial
essencialmente privado, democracia plural, objectivo de equilíbrio orçamental e
respeito pela propriedade privada. Não é por acaso que comunistas e bloquistas
dizem frequentemente que “eles são todos iguais” e “são farinha do mesmo saco”.
Eles são o PS e o PSD.
9 – Se a “esquerda” quer governar e até se pode entender para formar
um governo porque é que PS, PCP e BE não fizeram uma coligação pré-eleitoral e
se apresentaram assim ao eleitorado? Uma pista: porque o que os separa é muito
mais do que os une e nunca conseguiriam entender-se em torno de um programa
eleitoral comum que pudesse merecer a preferência de uma maioria de eleitores.
10 – Formar, na saída destas eleições, um governo que não seja
liderado pelo PSD/CDS é uma perversão dos resultados eleitorais em toda a
linha. Primeiro porque é deixar o partido mais votado – ou o menos rejeitado,
nesta lógica – fora da solução de governação. Depois, e mais importante, é um
“golpe de Estado” em relação à matriz essencial que resulta do voto de domingo:
continuação da consolidação orçamental, manutenção no euro, respeito pelas
regras europeias e rejeição de soluções de ruptura como as que defendem o BE e
a CDU. Se o PS não percebe isto estará a trair uma parte decisiva do seu
eleitorado.
11 – Mas não pode haver diferentes arranjos de governo que saiam do
mesmo Parlamento? Pode. Mas nunca sem antes permitir que o partido mais votado
faça o seu governo com os apoios que vier a conseguir unir da forma que
entender. É impensável que seja de outra maneira. A coligação PSD/CDS deve ser
chamada a governar. E se o governo cair daqui a um ou dois anos? Aí, cada um
deve assumir as suas responsabilidades sobre a queda do governo. Depois, em
função da leitura que o Presidente da República e a generalidade dos partidos
fizerem, o país vai de novo para eleições ou pode tentar-se uma nova solução de
governo no mesmo Parlamento.
12 – Pode essa solução futura passar por um acordo parlamentar entre
PS, BE e CDU que sejam o suporte de um governo? Pode. E aí boa sorte para a
governação e para o julgamento que os eleitores farão disso nas eleições
seguintes.
1 comentário:
Digamos sem subterfúgios: Costa é um indivíduo politico sem caracter, ou melhor: tem um caracter para todos os pontos cardeais que lhe granjeiem mando para se safar de uma incómoda realidade – ser ele um medíocre como político e um mau cidadão enquanto objecto de ética.Um catavento moral, que elogiou o Siryza quando lhe pareceu convir, que fingiu que não o mimara,que anavalhou cirurgicamente Seguro, que lambeu as botas a Sócrates e que fará tudo o que necessário fôr para não ser corrido, como merece, para o caixote de lixo da História como dizem os seus putativos aliados. Um sujeito muito desagradável, diga-se, sem acinte mas frontalmente um capacho da ideologia que é a dele: não se demitir e pronto, num trejeito adolescente de aprendiz de feiticeiro. Vaticino-lhe tempos maus, pois a sua característica própria mais tarde ou mais cedo vai liquidá-lo. É o que espera estes tipos cuja horizontalidade ética os fere a seu devido tempo.
Troufa de Barros
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