19 de setembro de 2015

Histórias que o meu avô contava - 1



      Inicio, aqui, um pequeno conjunto de histórias, das muitas com que o meu saudoso avô me foi ajudando, mesmo agora, a conhecer o mundo.

O soldadinho e o poeta

Havia, antes da revolução a que alguns chamaram Revolução da Maria Florista, um poeta de nome Ary, muito popular e querido de cantores e de gente sem cheiro a bafio de sotaina. Mas esse poeta muito popular e querido de cantores e de gente sem cheiro a bafio de sotaina era, como hoje às vezes ainda se diz, mariconço. O que perturbava a paz de espírito dos que, também ainda hoje, andam calçados com botas de seminarista, mesmo sem o saberem.

Ora entrou ele um dia num café chamado A Brasileira, onde costumava conviver com alguns dos seus amigos. Naquela ocasião, porém, além destes, havia um par de soldadinhos sentados a uma mesa, um dos quais, por debaixo do calçado da tropa, trazia as tais botas do Seminário. Toscou o poeta por vê-lo às vezes na televisão, e achou que era seu dever e sua satisfação dar, logo ali, o exemplo de como pôr um mariconço no seu devido lugar. Para mais, um celebrado mariconço, o que elevaria sem dúvida à glória o inevitável reconhecimento e estima sociais que de tal feito lhe adviriam.

Se bem o pensou, melhor o fez. Levantou-se, caminhou solenemente até à mesa do poeta, parou em frente dele e aplicou-lhe, de supetão, nas bochechas (o Ary era anafadito) duas belas e sonoras bofetadas, enquanto exclamava, com voz forte: “Seu porco!”. E preparou-se, impante de orgulho de si mesmo, para se virar e sair do café por entre alas de aplausos, ao menos os que reservara, por antecipação, de si para si próprio.

Só que o Ary, se era conhecido pelos seus improvisos em verso não o era menos por nunca se saber o que poderia fazer nas situações em que fosse apanhado de surpresa. Deslizando de imediato o corpanzil pela cadeira, caiu aos pés do soldadinho e gritou: “Juro-te, meu querido, que nunca mais te ponho os cornos!”. E, com isso, levantou um coro de gargalhadas que enrubesceram de vergonha as faces do soldadinho e o levaram a sair dali o mais depressa possível.

Do poeta, tanto quanto se sabe, nunca teve um filho, nem biológico nem adoptado. Do soldadinho, de quem nem o meu avô nem quem lhe contou esta história soube depois notícias, é no entanto de supor que os tivesse. O que será feito deles? É difícil prever, dizia ele. Pois se até o Fidel foi educado pelos Jesuítas…

 Nestas coisas, porém, acrescentava para terminar, o melhor é esquecer o assunto. A vida, afinal, é uma festa, e avante é que é!

Avante!

Sem comentários: