1 de setembro de 2015

"A Europa é de fugir"





Pelo que diz Alberto Gonçalves, no DN de anteontem,

Quando um branco mata um negro, como às vezes acontece com alguns polícias excessivamente nervosos nos EUA, a sentença popular é imediata: trata-se, obviamente, de racismo. Quando, como aconteceu na quarta-feira, um negro mata dois brancos, filma os homicídios e despeja tudo no Twitter para efeitos de consagração, a coisa complica-se: o homem, para cúmulo, gay, era capaz de ser vítima de discriminação, o que legitima parcialmente o crime. O resto legitima-se com o direito de posse de armas, pelo que há que julgar a Constituição e prender o revólver.

Em matéria de malabarismo mental, não faltam casos parecidos. O terrorista do comboio francês, por exemplo, apenas queria roubar para comer. Pelo menos é o que jura a advogada dele, que descreve um homem miserável e subnutrido. Esqueceu-se de descrever de que maneira é que tamanha penúria económica e física permite adquirir e transportar uma Kalashnikov de 600 euros e três quilos. Mas o principal é que a culpa é da exclusão social, ou seja, da sociedade, ou seja, sua e minha. Por mim, estou disposto a confessar tudo e a acatar o merecido castigo.

Entretanto, lembro a curiosa retórica com que se recebe os refugiados que dia após dia chegam pelo Mediterrâneo e por onde calha. Segundo a voz corrente nos media, a responsabilidade pela tragédia (humanitária, é de bom-tom acrescentar) cabe inteirinha à Europa, a Europa que não recebe devidamente, a Europa que não integra adequadamente, a Europa que, em suma, não corresponde impecavelmente aos sonhos daqueles desgraçados, disponibilizando-lhes em cinco minutos casa decente, emprego digno, subsídio de assimilação e banda filarmónica. Os telejornais fervilham de repórteres a apontar o dedo indignado.

Quase ninguém explica que as dificuldades de resposta da Europa são inevitáveis perante a brutal, e desde há décadas incomparável, migração de centenas de milhares de pessoas (350 mil em 2015). Quase ninguém recorda que as dúvidas europeias são as próprias de gente civilizada, que tende a ponderar as consequências dos seus actos. Quase ninguém nota que a Alemanha, logo a Alemanha, tem liderado com a generosidade possível o processo de acolhimento. Quase ninguém refere a veneração que inúmeros sírios passaram a dedicar à senhora Merkel, logo à senhora Merkel. Sobretudo quase ninguém informa que os refugiados, na imensa maioria muçulmanos, escapam precisamente da selvajaria hoje recorrente nos países de origem e na religião que professam. Apesar do folclore jornalístico em contrário, que atribui ao bombeiro o fogo posto pelo pirómano, a verdade é que o drama dos refugiados começa no Islão, não na Europa.

A benefício da subtileza, também poderíamos falar dos refugiados que são de facto "infiltrados" do ISIS e agremiações similares. E dos refugiados que matam refugiados sob acusações de cristianismo. E dos perigos de abordar estas matérias com mais lirismo adolescente do que sensatez. Porém, dado que andamos ocupadíssimos a odiarmo-nos, não há tempo para detalhes. O importante é estabelecer que a culpa é nossa. Culpa de quê? Vê-se depois, ou nem isso. Certo é que a Europa é de fugir, embora os outros misteriosamente fujam para a Europa.

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