Inicio, aqui, um pequeno conjunto de histórias, das muitas com que o meu saudoso
avô me foi ajudando, mesmo agora, a conhecer o mundo.
O soldadinho e o poeta
Havia,
antes da revolução a que alguns chamaram Revolução da Maria Florista, um poeta
de nome Ary, muito popular e querido de cantores e de gente sem cheiro a bafio
de sotaina. Mas esse poeta muito popular e querido de cantores e de gente sem
cheiro a bafio de sotaina era, como hoje às vezes ainda se diz, mariconço. O
que perturbava a paz de espírito dos que, também ainda hoje, andam calçados com
botas de seminarista, mesmo sem o saberem.
Ora
entrou ele um dia num café chamado A Brasileira, onde costumava conviver com
alguns dos seus amigos. Naquela ocasião, porém, além destes, havia um par de
soldadinhos sentados a uma mesa, um dos quais, por debaixo do calçado da tropa,
trazia as tais botas do Seminário. Toscou o poeta por vê-lo às vezes na
televisão, e achou que era seu dever e sua satisfação dar, logo ali, o exemplo
de como pôr um mariconço no seu devido lugar. Para mais, um celebrado
mariconço, o que elevaria sem dúvida à glória o inevitável reconhecimento e
estima sociais que de tal feito lhe adviriam.
Se
bem o pensou, melhor o fez. Levantou-se, caminhou solenemente até à mesa do
poeta, parou em frente dele e aplicou-lhe, de supetão, nas bochechas (o Ary era
anafadito) duas belas e sonoras bofetadas, enquanto exclamava, com voz forte:
“Seu porco!”. E preparou-se, impante de orgulho de si mesmo, para se virar e
sair do café por entre alas de aplausos, ao menos os que reservara, por
antecipação, de si para si próprio.
Só
que o Ary, se era conhecido pelos seus improvisos em verso não o era menos por
nunca se saber o que poderia fazer nas situações em que fosse apanhado de surpresa.
Deslizando de imediato o corpanzil pela cadeira, caiu aos pés do soldadinho e
gritou: “Juro-te, meu querido, que nunca mais te ponho os cornos!”. E, com
isso, levantou um coro de gargalhadas que enrubesceram de vergonha as faces do
soldadinho e o levaram a sair dali o mais depressa possível.
Do
poeta, tanto quanto se sabe, nunca teve um filho, nem biológico nem adoptado.
Do soldadinho, de quem nem o meu avô nem quem lhe contou esta história soube
depois notícias, é no entanto de supor que os tivesse. O que será feito deles?
É difícil prever, dizia ele. Pois se até o Fidel foi educado pelos Jesuítas…
Nestas coisas, porém, acrescentava para
terminar, o melhor é esquecer o assunto. A vida, afinal, é uma festa, e avante
é que é!
Avante!