... diz Maria João Marques, no Observador, o seguinte:
«Escrevo-vos boquiaberta com a
hipocrisia e a amoralidade que tenho visto no PS. A retórica daqueles lados está
ao nível de realismo de conceitos como ‘professor Mário Nogueira’, ‘serenidade
de Isabel Moreira’ ou ‘feminismo de Manuel Maria Carrilho’.
Vejamos. Temos António Costa,
depois de perder eleições e não aceitar a vontade democraticamente expressa dos
eleitores, a dizer, na primeira sessão da Assembleia da República, que a
coligação tinha ‘mau perder’. O mesmo António Costa, durante o longo tempo de
produção de um ‘acordo’ (e agora vou ingerir metade de um frasco de xarope para
me eliminar a tosse quase fulminante) das esquerdas – o tal que é tão sólido
que nem contempla votações favoráveis aos orçamentos apresentados pelo PS e
menos ainda é acordo de coligação – afirmou que não ia deixar o país num
pântano, tudo enquanto colocava diligentemente o país num pântano.
Carlos César, num clímax de
alucinação, disse (juro!) que ‘o PS não procurou ser governo a qualquer custo’
– o mesmo PS que prometia chumbar o governo de dez dias gerado pelos resultados
eleitorais, apresentando em troca um acordo resvés que promete nenhuma
estabilidade ou durabilidade. António Costa, ontem no debate em que deitou
abaixo o governo acabado de estrear, criticou crispado a falta de disposição de
PSD e CDS para não viabilizarem a governação socialista-trotskista-estalinista,
dizendo que os partidos da futura oposição estão ‘focados no revanchismo e
animados pela obstrução’.
E a minha preferida. O
reincidente António Costa, que mentiu às escâncaras ao país afirmando, após as
audiências dos partidos com o Presidente, que tinha um acordo com PCP e BE para
uma solução estável e duradoura de governo, quando não tinha nada (e agora tem
só mais ou menos), proclamou ontem que ‘palavra dada tem de ser palavra
honrada’. Preciosidades hipócritas destas não se inventam. Rejubilemos: somos a
inveja de qualquer democracia musculada asiática.
(Ainda assim são mais
divertidas do que as piadas intencionais que António Costa faz nos seus
discursos. Ontem, por exemplo, fez uma bestialmente original. Deleitem-se:
‘Estavam tão ansiosos para me ouvir, agora ouçam-me’. Hein, não é digna dos
Monty Python? Os socialistas riram imenso.)
Bom, mas foquemo-nos no que
aí vem. E o que virá de António Costa? Ora: aquilo que se costuma esperar de
líderes que têm problemas de legitimidade. Já que os ideólogos da suposta união
das esquerdas usam a ficção da série Borgen para legitimar o futuro governo
(sem atentarem ao fim da coligação periclitante de Birgitte na segunda
temporada e a sua escolha de respeitar a vontade eleitoral na terceira
temporada, que até os argumentistas são mais sensatos que as esquerdas
portuguesas) deixem-me usar ficção ainda melhor (aviso já que num grande
exagero ilustrativo).
Escolho o livro Tintin
e os Pícaros. Lá, Tintin planeia e implementa um golpe de estado
que leva o General Alcazar a presidente. A condição que coloca a Alcazar é de,
quando no governo, não fuzilar os anteriores governantes nem os seus apoiantes,
o que gera discussões acesas com o truculento aspirante. Depois do golpe, o
próprio General Tapioca, o presidente deposto, protesta por não ser fuzilado,
sente-se desonrado e termina partilhando um desabafo com Alcazar contra os
idealistas como Tintin.
Nas democracias não se
fuzilam os opositores, nem aqueles que podem com maior justiça e legitimidade
reclamar o poder. António Costa não irá organizar uma secção secreta de black
opsdedicada a assassínios políticos. Mas vai ter – já está a ter –
todos os tiques daqueles que tomaram o poder de maneira esquiva em vez de o
receberem dos eleitores. Em qualquer ocasião pequena terá de fazer
demonstrações mesquinhas de autoridade – como na escolha do presidente da
Assembleia da República ou mesmo neste golpe palaciano que orquestrou. Tem de
se resguardar (no limiar da cobardia política) de possíveis golpes – como fez
não interpelando Passos Coelho no debate desta semana e não respondendo a
perguntas dos deputados. Pelo que, em vez de termos um governo tomando decisões
num período crítico, teremos governo que mais que tudo tem de continuamente
calar os duvidosos da sua legitimidade e, só a seguir, nos intervalos,
governar.
Mas o mais grave não é isto.
Nem sequer que PCP e BE estejam a determinar e tutelar as políticas do governo
PS. É que deixámos de viver em democracia. Depois de ontem, o PS pode governar
sempre que ganhar eleições mesmo com maioria relativa. Mas, depois de ontem, o
PSD só pode governar se, juntamente com o CDS, alcançar uma maioria absoluta. A
direita tem agora uma sobretaxa eleitoral que precisa de pagar para poder
governar. Copiando Orwell, ‘todos os partidos são iguais mas uns são mais
iguais que outros’.
Se Cavaco Silva sancionar
isto, aquilo que não se cuidou de impossibilitar depois do 25 de Abril
(governos de direita) porque a malta revolucionária achava que o povo iria
votar sempre à esquerda, será impossibilitado de facto a partir de agora. E
isto só é democracia no país do General Alcazar. Eu até aposto que se Hergé
tivesse desenhado um Alcazar em jovem, este também teria recusado aceitar a
derrota na associação de estudantes, só sendo convencido pela presença
policial.»
2 comentários:
E iremos assistir, com o beneplácito de procuradores da república e juizes do supremo tribunal como sucedeu anteriormente, ao espectáculo de opositores processados, opositores ameaçados e "esquadrinhados" nos seus empregos e ocupações. Costa é um cripto-fascista de fachada democrática, um "testemunha falsa" como o seu capanga César. Terá o apoio total da encenada Catarina e do simulado avôzinho Jerónimo, a pretexto de combaterem a reacção. Nos jornais da corda multiplicar-se-ão os artigos justificativos de truculentos como os batistasbastos das perguntas inquisitoriais, e quem não for comunista ou não lhes fizer o jogo será um inimigo a abater. Quando isso suceder digam-me então que sou uma pessimista! A ditadura, que Sócrates tentou instaurar e quase conseguiu, aí estará de novo. Basta ver que o sr. Bastos,intelectual orgânico, hoje já vituperava os que falam no "papão comunista", sem ter o pudor de lembrar os milhões de encarcerados e de mortos pelo regime que ele adora e justifica. O cinismo vai, nessa gente, de vento em pôpa!
Maria Viveiros
É um panorama bem possível, Maria. Mas estou em crer que se houver perseguições e arbitrariedades o Povo Português democrático se erguerá, como durante o PREC, contra os que o quiserem menorizar. Sejam jerónimos ou soares socratistas.
Manuel Duarte
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