14 de novembro de 2015

Histórias que o meu avô contava - 2



Um dia, o meu avô voltou para casa, a rir, com algo que se passara no café que costumava frequentar.

Morava ele numa aldeia nos arredores de Lisboa, hoje uma vila populosa, onde, na altura, começava a fixar-se muita gente vinda de vários pontos do país. A aldeia era propriedade de duas ou três famílias de agricultores que iam agora vendendo aos poucos os terrenos para a construção de habitações, de modo a poderem dar uma herança que se visse a cada um dos seus descendentes. Famílias que, embora com farroncas de riqueza, eram conhecidas nas povoações em redor sobretudo pela sua falta de imaginação e interesse por tudo o que não fosse as quezílias entre elas. Assim uma espécie de Aldeia da Roupa Branca, mas ainda mais tosca.

O pequeno café de onde regressava tinha sido o primeiro a abrir portas num ambiente exclusivo de tabernas. O proprietário era um homem vindo ali da zona de Viseu, aportado a Lisboa após ter cumprido o serviço militar obrigatório em Angola, fugido de um interior que não lhe daria grandes oportunidades. Um homem enorme, franco, directo, sem abébias para abusos nas conversas ou nos actos dos clientes. E que não costumava “mandar recados” – como acontecera naquela ocasião em que o meu avô voltou, a rir.

É que se juntara lá muita gente ao final da noite, no meio da qual havia bastantes nativos desdenhosos dos “pobretanas” que lhes haviam “invadido” a terra. O calor da discussão começara a subir, quando o arrefecimento se fez sentir de súbito, tonitruante, vindo de detrás do balcão:

– Estai maj é calados, que, xse não fôramos nój, bój ainda andábeis de carroxça!

E eu, que era puto, também me ri muito e, como queria “mostrar serviço”, disse:

– Oh avô, se fosse na Arábia ele teria dito “ainda andábeis de camelo”…

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