Um dia, o meu avô voltou para casa, a rir, com algo que se passara no café que costumava frequentar.
Morava ele numa aldeia nos arredores de Lisboa, hoje uma vila populosa, onde, na
altura, começava a fixar-se muita gente vinda de vários pontos do país. A aldeia
era propriedade de duas ou três famílias de agricultores que iam agora
vendendo aos poucos os terrenos para a construção de habitações, de modo a
poderem dar uma herança que se visse a cada um dos seus descendentes. Famílias que,
embora com farroncas de riqueza, eram conhecidas nas povoações em redor sobretudo pela
sua falta de imaginação e interesse por tudo o que não fosse as quezílias
entre elas. Assim uma espécie de Aldeia da Roupa Branca, mas ainda mais tosca.
O pequeno
café de onde regressava tinha sido o primeiro a abrir portas num
ambiente exclusivo de tabernas. O proprietário era um homem vindo ali da zona
de Viseu, aportado a Lisboa após ter cumprido o serviço militar obrigatório
em Angola, fugido de um interior que não lhe daria grandes oportunidades. Um homem
enorme, franco, directo, sem abébias para abusos nas conversas ou nos actos dos
clientes. E que não costumava “mandar recados” – como acontecera naquela ocasião
em que o meu avô voltou, a rir.
É que se
juntara lá muita gente ao final da noite, no meio da qual havia bastantes
nativos desdenhosos dos “pobretanas” que lhes haviam “invadido” a terra. O calor
da discussão começara a subir, quando o arrefecimento se fez sentir de súbito,
tonitruante, vindo de detrás do balcão:
– Estai
maj é calados, que, xse não fôramos nój, bój ainda andábeis de carroxça!
E eu, que
era puto, também me ri muito e, como queria “mostrar serviço”, disse:
– Oh avô,
se fosse na Arábia ele teria dito “ainda andábeis de camelo”…
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