(imagem recolhida aqui)
E eis que o meu fígado ficou eternamente grato a Alberto Gonçalves:
«Recapitulemos. A 4 de Outubro, a vitória da
coligação de "direita" e da "austeridade" provou que o povo
é masoquista e retardado. Horas depois, ou o tempo necessário para contar os
deputados, apurou-se que afinal a maioria do povo derrotou a
"austeridade" nas urnas e concluiu-se, com alívio, que o povo
masoquista e retardado é minoritário. O exercício, então, consistiu em parodiar
na internet e na nobre arte do comentário político a falta de competência
aritmética da "direita", já que 122 lugares na AR são mais do que 107
- "Qual é a parte que não percebem?", repetia-se por aí. Dada a
suprema importância dos parlamentares, exigia-se que o PR indigitasse a aliança
de esquerda sem ouvir nenhum. Enquanto isso, insultava-se "o Cavaco",
que por sua vez indigitou Passos Coelho. Derrubado Passos Coelho, reclamou-se a
nomeação imediata do Dr. Costa, ameaçou-se com baderna pública e decidiu-se que
"o Cavaco", entretanto ocupado a receber meio mundo, não respeita a
Constituição e o eleitorado, embora o homem agisse de acordo com a primeira e
tivesse sido eleito em duas ocasiões pelo segundo (a parcela masoquista e
retardada). Tudo, da sagrada "lei fundamental" à plebe, existe apenas
para ser torcido a benefício da vanguarda esclarecida.
Hoje, com a cedência do PR à piedosa mentira da
"inevitabilidade" do governo PS, enterrou-se (entre insultos) "o
Cavaco" e passou-se a biografar os membros da coisa como se os ditos
fossem para levar a sério. Não são. Desde logo, são, sem excepção ou dúvida,
cúmplices de uma golpadazita - inteiramente "conchcinal", dirá o Dr.
Costa -, o que por si define o respectivo carácter. À lupa, são no máximo
antigos serviçais da autarquia, zombies "socráticos",
favores, flores, emissários de interesses, em suma ninguém. Dissecar o
currículo formal de cada um, mesmo agrupando os diversos agregados familiares
que por lá andam, tem utilidade reduzida e não será grande contributo para prever
o futuro e a essência do novo tempo, do novo homem, enfim da nova ordem
emergente. A nova ordem está nos pormenores, e nem se esgota no rancho que
tomou posse há dias.
Está, por exemplo, num primeiro-ministro que troca o jargão
político por um jargão pessoal vagamente aparentado ao português (se ler
conforme fala, o "brilhante negociador" ainda irá a meio do clássico Anita Vai ao
Circo). A nova ordem está num ministro das Finanças que parece
saído dos flashbacks deFamily Guy e entrado no circo a que a Anita foi.
Está num candidato presidencial oficioso que promete "puxar por
Portugal" e, juro pela minha saudinha, ser "um saca-rolhas".
Está no ex-governante suspeito de múltiplos crimes que palmilha o território
nacional em missão evangélica. Está numa ex-ministra da Cultura, e vibrante
entusiasta da "situação", que avisa no Twitter: "Há [sic] direita
prefere-se que não se emitam opiniões." Apesar disso, é "há"
esquerda que as opiniões incomodam mais.
A nova ordem está na fresquíssima secretária de Estado da
Igualdade ou da Fraternidade, que em tempos explicou no Facebook: "Como
sabem eu [sic] não tenho por hábito fazer
sensura [sic], mas não tulero [sic] insultos
(...)". E está no sensor, perdão, censor que saltitou da ERC para a tropa,
com escala pedagógica a norte. E está na sugestão do Sr. Seixas da Costa,
personalidade conhecida por zelar pela educação parisiense do Eng. Sócrates e
por se indignar com a falta de "estrelas" Michelin em Portugal:
"A ideia não será popular, mas não seria a ocasião para se introduzir uma
transparência total nas redes sociais acabando com o anonimato?" E está no
assombroso Dr. Ferro. E no nobilíssimo Dr. César dos Açores. E em sujeitos que
passeiam títulos e pêlos nas orelhas em simultâneo. Quem é essa gente, Deus do
céu?
Não vou ao ponto de dizer que a nova ordem é a consagração dos
clientes da taberna: é a consagração dos indivíduos que, expulsos da taberna,
desataram a frequentar caves maçónicas compatíveis com o seu nível. Privados de
uma reles ideia, a não ser a da impunidade "natural", exibem
petulância directamente proporcional à rudeza que os define. Por cá, a espécie
é igualmente apelidada de "elite". E ninguém se ri, até porque dá
vontade de chorar.
Ao que tudo indica, a "direita" ficou sinceramente
escandalizada com a jovialidade com que o PS traiu os próprios
"princípios", aliou-se às beatas de Lenine e, após 40 anos de ténue
civilização, enxovalhou a data fundadora do regime. Ou a "direita"
perde a virgindade ou não volta a levantar-se. O único "princípio" do
PS é a convicção profunda e feroz de que nasceu para mandar nisto, custe o que
custar. E, se custa muito resignarmo-nos à arrogância de rústicos, a eles custa
pouco partilhar o poder com quem partilha a descrença na democracia e a crença
na superioridade inata. Só espanta que o arranjinho demorasse tanto. A nova
ordem, feita de brutalidade, retórica de 4.ª classe (sem exame), intolerância,
comparsas, falências, delírios, respeitinho e a terminal anexação do país pelo
Estado, é um projecto velho.»
Sem comentários:
Enviar um comentário