30 de novembro de 2015

"A nova ordem nacional"


(imagem recolhida aqui)

E eis que o meu fígado ficou eternamente grato a Alberto Gonçalves

«Recapitulemos. A 4 de Outubro, a vitória da coligação de "direita" e da "austeridade" provou que o povo é masoquista e retardado. Horas depois, ou o tempo necessário para contar os deputados, apurou-se que afinal a maioria do povo derrotou a "austeridade" nas urnas e concluiu-se, com alívio, que o povo masoquista e retardado é minoritário. O exercício, então, consistiu em parodiar na internet e na nobre arte do comentário político a falta de competência aritmética da "direita", já que 122 lugares na AR são mais do que 107 - "Qual é a parte que não percebem?", repetia-se por aí. Dada a suprema importância dos parlamentares, exigia-se que o PR indigitasse a aliança de esquerda sem ouvir nenhum. Enquanto isso, insultava-se "o Cavaco", que por sua vez indigitou Passos Coelho. Derrubado Passos Coelho, reclamou-se a nomeação imediata do Dr. Costa, ameaçou-se com baderna pública e decidiu-se que "o Cavaco", entretanto ocupado a receber meio mundo, não respeita a Constituição e o eleitorado, embora o homem agisse de acordo com a primeira e tivesse sido eleito em duas ocasiões pelo segundo (a parcela masoquista e retardada). Tudo, da sagrada "lei fundamental" à plebe, existe apenas para ser torcido a benefício da vanguarda esclarecida.

Hoje, com a cedência do PR à piedosa mentira da "inevitabilidade" do governo PS, enterrou-se (entre insultos) "o Cavaco" e passou-se a biografar os membros da coisa como se os ditos fossem para levar a sério. Não são. Desde logo, são, sem excepção ou dúvida, cúmplices de uma golpadazita - inteiramente "conchcinal", dirá o Dr. Costa -, o que por si define o respectivo carácter. À lupa, são no máximo antigos serviçais da autarquia, zombies "socráticos", favores, flores, emissários de interesses, em suma ninguém. Dissecar o currículo formal de cada um, mesmo agrupando os diversos agregados familiares que por lá andam, tem utilidade reduzida e não será grande contributo para prever o futuro e a essência do novo tempo, do novo homem, enfim da nova ordem emergente. A nova ordem está nos pormenores, e nem se esgota no rancho que tomou posse há dias.

Está, por exemplo, num primeiro-ministro que troca o jargão político por um jargão pessoal vagamente aparentado ao português (se ler conforme fala, o "brilhante negociador" ainda irá a meio do clássico Anita Vai ao Circo). A nova ordem está num ministro das Finanças que parece saído dos flashbacks deFamily Guy e entrado no circo a que a Anita foi. Está num candidato presidencial oficioso que promete "puxar por Portugal" e, juro pela minha saudinha, ser "um saca-rolhas". Está no ex-governante suspeito de múltiplos crimes que palmilha o território nacional em missão evangélica. Está numa ex-ministra da Cultura, e vibrante entusiasta da "situação", que avisa no Twitter: "Há [sic] direita prefere-se que não se emitam opiniões." Apesar disso, é "há" esquerda que as opiniões incomodam mais.

A nova ordem está na fresquíssima secretária de Estado da Igualdade ou da Fraternidade, que em tempos explicou no Facebook: "Como sabem eu [sic] não tenho por hábito fazer sensura [sic], mas não tulero [sic] insultos (...)". E está no sensor, perdão, censor que saltitou da ERC para a tropa, com escala pedagógica a norte. E está na sugestão do Sr. Seixas da Costa, personalidade conhecida por zelar pela educação parisiense do Eng. Sócrates e por se indignar com a falta de "estrelas" Michelin em Portugal: "A ideia não será popular, mas não seria a ocasião para se introduzir uma transparência total nas redes sociais acabando com o anonimato?" E está no assombroso Dr. Ferro. E no nobilíssimo Dr. César dos Açores. E em sujeitos que passeiam títulos e pêlos nas orelhas em simultâneo. Quem é essa gente, Deus do céu?

Não vou ao ponto de dizer que a nova ordem é a consagração dos clientes da taberna: é a consagração dos indivíduos que, expulsos da taberna, desataram a frequentar caves maçónicas compatíveis com o seu nível. Privados de uma reles ideia, a não ser a da impunidade "natural", exibem petulância directamente proporcional à rudeza que os define. Por cá, a espécie é igualmente apelidada de "elite". E ninguém se ri, até porque dá vontade de chorar.

Ao que tudo indica, a "direita" ficou sinceramente escandalizada com a jovialidade com que o PS traiu os próprios "princípios", aliou-se às beatas de Lenine e, após 40 anos de ténue civilização, enxovalhou a data fundadora do regime. Ou a "direita" perde a virgindade ou não volta a levantar-se. O único "princípio" do PS é a convicção profunda e feroz de que nasceu para mandar nisto, custe o que custar. E, se custa muito resignarmo-nos à arrogância de rústicos, a eles custa pouco partilhar o poder com quem partilha a descrença na democracia e a crença na superioridade inata. Só espanta que o arranjinho demorasse tanto. A nova ordem, feita de brutalidade, retórica de 4.ª classe (sem exame), intolerância, comparsas, falências, delírios, respeitinho e a terminal anexação do país pelo Estado, é um projecto velho.»

23 de novembro de 2015

Da poesia fala o poeta - 4


João Garção (n. 1968)

Poeta, pintor, ensaísta e professor. Foi futebolista profissional (guarda-redes) na Académica de Coimbra. Autor de “Sobre Raul Proença”, “Pequenos ensaios” e “Os versos do Zé Povão”. No prelo, com chancela da “Apenas Livros”, sairá em breve “O teatro surrealista em Portugal”, com prefácio de António Cândido Franco.


Do poeta diz o poema.


AGUARELA

Na minha terra, quando eu era pequeno
havia montanhas altas com bosques e recantos
pelo menos um Oceano com piratas e segredos
e muitas outras coisas que se transfiguravam

Os heróis eram altos, atléticos, usavam duas cores
e parece que havia uns outros sobrados da Grande Guerra

A velhota gorda que vendia castanhas no largo do Rossio
pertencia a uma misteriosa quadrilha francesa
falava alto, tratava os fregueses pelo nome
aparecia e desaparecia consoante era Inverno ou Verão

No dia de Santos o gajo das barbas (que tinha um tesouro escondido)
dava-nos nozes, se lhe batíamos à porta
e havia alguns, corajosos, que batiam

Havia um espanhol que era barbeiro
mas as tesouras cantavam em português

Os polícias passavam, nas tardes de Primavera
muito suaves, devagarinho, rua do Comércio abaixo
quando não era pela Corredoura acima

Pareciam anjos vestidos de azul claro

Só muito mais tarde notei que usavam cassetete

Como eu gostava da Escola! E ainda por cima
os professores era tudo gente esperta

Não havia, que eu soubesse, pessoas infelizes
e os bandidos só faziam serviço no “Tintin”
ou nos filmes (poucos) da televisão

Mas as coisas, como nas fitas, parece que às vezes
andam demasiado depressa.

Os heróis – os mais velhos morreram –
tinham estado, coitados, com o Milhões na França
e os que eram às cores transformaram-se em futebolistas
com o remate trocado

A mulher das castanhas foi um ar que lhe deu:
finou-se com um colapso e era avó de três netos
como ela trabalhadores da fábrica da rolha


Os anjos que eram polícias já só andam de carro
e um deles até me ofendeu, um dia, junto a um Bar

Alguns dos professores ficaram com orelhas de burro

E nesta coisa de crescer, o que mais (juro-vos) me dana
é que agora corto o cabelo num cabeleireiro de homens
que competentemente me afeita (enquanto leio o jornal)


com um aparelho que rosna como um rafeiro sem classe.

22 de novembro de 2015

Pode Obama evitar que este jovem seja decapitado?



(Ali Mohamed al-Nimr tinha 17 anos quando foi preso. A pena de morte pode ser- lhe aplicada a qualquer momento) - recolhido no Observador

Ali Mohamed al-Nimr, um jovem de 21 anos da Arábia Saudita, foi condenado a ser decapitado e crucificado em público. A sentença deveu-se à sua participação numa manifestação que ocorreu na cidade de Qatif. Os manifestantes defendiam a igualdade de direitos entre a população xiita, a que al-Nimr pertence, e a população sunita, que constitui a maioria no país.

Na primeira entrevista da sua mãe aos media estrangeiros, relatada pelo jornal inglês The Guardian, Nusra al-Ahmed qualifica a pena imposta ao seu filho como “selvagem” e vinda “da idade das trevas”. Nusra al-Ahmed acusou ainda as autoridades sauditas de terem torturado o seu filho na prisão:

Quando visitei o meu filho pela primeira vez não o reconheci. Não sabia se [a pessoa que visitei] era realmente o meu filho ou não. Via claramente que tinha uma ferida na testa, outra no nariz. Desfiguraram-no. Até o corpo, [que] estava excessivamente magro. [Quando] comecei a falar com ele [disse-me que] durante o interrogatório [foi] pontapeado, deram-lhe estaladas, os seus dentes caíram, claro… [e] urinou sangue durante um mês.

Agora, a mãe do condenado implora ao presidente norte-americano Barack Obama que o salve, fazendo uso da sua popularidade e das estreitas relações entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita. “[Obama] é o líder deste mundo (…) pode interferir e salvar o meu filho (…) Eu e o meu filho não temos nenhuma importância neste mundo mas apesar disso, se ele assumisse este ato (…) estaria a salvar-nos de uma grande tragédia”.

Nusra al-Ahmed, que segundo relata o Guardian acredita que a pena foi imposta ao filho para o punir pela sua fé xiita, mostrou-se ainda indignada com a pena:

Nenhum ser humano são e normal daria esta sentença a uma criança de 17 anos [Ali Mohamed al-Nimr tinha 17 anos quando foi preso pelas autoridades do país]. Não derramou qualquer sangue, não roubou propriedade nenhuma. Onde foram buscar isto? À Idade das Trevas?

A decisão do Supremo Tribunal da Arábia Saudita tem motivado críticas, vindas de vários pontos do globo. Entre os grupos de direitos humanos mais críticos da situação encontram-se a Amnistia Internacional e a Reprieve, uma organização britânica cuja missão diz ser “ajudar as pessoas que sofrem abusos extremos de direitos humanos às mãos dos governos mais poderosos do mundo”.

No Reino Unido, o primeiro-ministro David Cameron apelou na passada semana ao rei da Arábia Saudita para não aplicar a pena de decapitação e crucificação a Ali Mohamed al-Nimr. E, esta terça-feira, anunciou ter retirado uma proposta de quase 8 milhões de euros que havia feito à Arábia Saudita para um programa de treino aos guardas prisionais do país. A decisão também se deveu à retenção do pensionista britânico Karl Andree numa prisão da Arábia Saudita por posse de álcool: um caso que tem preocupado o governo britânico.

A embaixada da Arábia Saudita no Reino Unido já reagiu ao que classifica como “interferências em assuntos internos” do país, lançando um comunicado onde repudia a interferência do Reino Unido no sistema judicial “independente e imparcial” do “estado soberano” da Arábia Saudita.

E para este condenado, vejamos o poema de Mário Cesariny:


O HERÓI

Herói é o meu nome.
Meu olhar frio, arguto
Não vê coisa que o dome.
Meu esforço rude e sano
Não desmaia um minuto.
Sou herói todo o ano.
Quando passar por vós, naturalmente,
com este meu ar simples e no entanto diferente
e no entanto diferente do ar do resto da gente
não digais: é fulano.
Dizei: é o Herói.

O herói, simplesmente.

21 de novembro de 2015

Poeta saudita condenado à morte por renunciar ao Islão


(Ashraf Fayadh é um dos artistas mais conhecidos do Médio Oriente, já curou exposições na semana artística saudita Jeddah Art Week e na Bienal de Veneza) - recolhido no Observador


ASHRAF FAYADh


Ashraf Fayadh foi condenado à morte por um tribunal da Arábia Saudita. O país rege-se pela Sharia, Lei Islâmica, que acusa o poeta de blasfémia a Alá, ao profeta Maomé e renúncia ao Islão.

O poeta saudita Ashraf Fayadh foi condenado à morte por um tribunal saudita por ter alegadamente renunciado ao Islão, refere The Guardian.

A sentença que condena o poeta à pena de morte foi proferida a 17 de novembro, a quem foram concedidos 30 dias para recorrer da sentença. Face à decisão, Ashraf Fayadh alegou que não tem representante legal.

Segundo o Independent, o palestiniano foi detido em agosto de 2013, em Abha, na província de Asir, sudoeste da Arábia Saudita pela polícia religiosa do reino saudita. O país do Médio Oriente é regido pela Sharia (Lei Islâmica) e segundo uma fonte da associação Human Rights Watch que teve acesso ao processo, Ashraf Fayadh é acusado de abjuração e renúncia à fé islâmica, noticia o mesmo jornal.

A detenção ocorreu depois de uma denúncia de que o poeta teria injuriado Alá e o profeta Maomé e insultado a Arábia Saudita e distribuindo ainda um livro de poemas que alegadamente promovem o ateísmo, clarifica o The Guardian.

O artista já havia sido condenado em maio de 2014 a quatro anos de prisão e 800 chicotadas pelo tribunal de Abha. Na sequência desta primeira decisão judicial o poeta recorreu, mas o recurso foi rejeitado e voltou ao banco dos réus o mês passado. O novo painel de juízes decidiu a sua execução, apesar de o escritor ter manifestado arrependimento.

“Fiquei realmente chocado, mas era de se esperar, embora eu não tenha feito nada que mereça a morte”, disse Fayadh ao The Guardian.

Ashraf Fayadh, de 35 anos, faz parte do coletivo artísticoEdge of Arabia e é um refugiado palestiniano, apesar de ter nascido na Arábia Saudita. O poeta afirma que o livro em causa foi mal-interpretado pelas autoridades sauditas. Segundo o autor, a obra fala da sua experiência como refugiado palestiniano onde aborda questões culturais e filosóficas.

Para lá das questões religiosas, os amigos de Ashraf Fayadh acreditam que a condenação do poeta poderá ser uma retaliação: o artista publicou um vídeo que mostra a polícia religiosa do reino a atacar um homem em público.

Como homenagem a este poeta, que melhor que dar aqui este poema de Sophia de Melo Breyner Andresen?

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam  mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam  mas tu não.

15 de novembro de 2015

"O principado de Zouheir"


René Magritte, Le double secret

Um grande, grande texto de Maria Helena Matos, no Observador:

«Não, não me apetece pela quinquagésima vez o “somos todos” qualquer coisa, mais o facebook às riscas e a Marianne a chorar. Já sabemos como vai ser não é? Lembram-se do Charlie Hebdo? Éramos todos tão livres, não éramos? Pois éramos. E claro que não se pode ter medo, que a França é a pátria da Liberdade, que mesmo ferida se vai levantar… Pois, mas em Julho deste ano, meio ano após os atentados, o editor do Charlie Hebdo anunciou que aquele jornal não voltaria a publicar desenhos satíricos de Maomé. Ficámos um bocadinho menos “charlies” não foi? E o bom Charlie vai fazendo as suas caricaturas com os bispos do costume e até entreviu no nosso governo de esquerda uma espécie de vitória sobre o nosso passado colonial, não foi? Pois é, com um bocadinho de esforço quase que se pode dizer que o Charlie continua na mesma. Afinal, cada um acredita não no que quer mas sobretudo no que precisa. Há quem goste de acreditar que continua novo apesar das rugas. Nós precisamos de acreditar que continuamos livres.

Portanto, agora que a onda está aí de novo, mais as flores, as velas e o Imagine, prefiro fazer de conta que não engulo em seco diante das imagens daquela gente outra vez pendurada numa janela para não morrer (lembram-se do 11 de Setembro?) e daquele rapaz arrastando um corpo pelo meio da rua (uma rua de Paris!), para me poupar à irritação daquele momento que não tarda em que cairemos no processo da voz passiva que nos leva do óbvio – terroristas matam – ao grotesco das pessoas que “acabaram por falecer” na sequência de actos alegadamente praticados por terroristas. Actos esses pressurosamente transformados em respostas às políticas do Ocidente. Do Ocidente que quer o petróleo. Do Ocidente que intervém. Do Ocidente que não intervém. Do Ocidente que desenhou as fronteiras. Do Ocidente que fez as cruzadas… enfim uma espiral retroactiva em que as culpas nunca se expiam antes se exponenciam. (No nosso portuguesíssimo caso junta-se a tudo isto, segundo Ana Gomes, a demora de Cavaco Silva em indigitar António Costa. Mas não creio que, para já, a comunidade internacional se sinta capacitada para ponderar essa tese.)

Há algo de grotesco nesta forma de ver o mundo em que o outro – aquele que por uma qualquer razão nos odeia ou ataca – é sempre o elemento neutro. Ele por ele nada faz. Os seus actos são sempre o resultado de algo que nós, os nossos pais, os nossos avós e os nossos antepassados fizeram, pelo menos até àquele polémico momento em que o Neandertal se terá cruzado no planeta Terra com o Sapiens sapiens. Dir-se-á que isto é pateta. Pois é. Mas o problema das visões patetas é que o seu simplismo constitui-se como argumento eficaz na justificação do injustificável: com os terroristas reduzidos à condição de consequência dos nossos actos, a responsabilidade pelo terrorismo deixa de ser dos terroristas pois é transferida para aqueles que o sofrem.


Não é por acaso que após os atentados terroristas vivemos uma sensação de desconcerto, como se não fosse justo nem lógico fazerem-nos aquilo. Na verdade para nós não é. Mas só para nós. Do ponto de vista do terrorista não só tudo aquilo faz sentido como é lógico: são actos tácticos de uma estratégia com objectivos próprios.

O terrorista não é uma marionete puxada pelos fios dos actos presentes e passados dos outros. Muito menos é alguém que buscando os mesmos objectivos de justiça dos não terroristas apenas se enganou no caminho. O terrorista existe independentemente de nós.


Recordo como este exercício de ver o terrorista como um resultado e não como um sujeito dotado de vontade própria era particularmente penoso no caso dos atentados da ETA, em Espanha. Primeiro a ETA matava por causa de Franco. Depois veio a Transição a ETA passou a matar ainda mais (é exactamente durante a Transição que a ETA é mais mortífera: 84 mortos em 1979 e 93 em 1980) mas tal, dizia-se, explicava-se pelo combate à herança do franquismo presente no aparelho de Estado. A Espanha tornou-se democrática e a ETA continuava a matar militares, polícias, políticos e empresários, mas isso devia-se à ligação dos militares ao passado, dos polícias à repressão, daqueles políticos à direita e dos empresários ao dinheiro. A ETA continuava a matar. Politicamente as balas entravam em nucas de direita e de esquerda. Mas havia sempre uma culpa da sociedade espanhola para explicar mais uma bomba e mais uma bala: eram os presos da ETA que não podiam estar todos juntos na mesma prisão; era o tribunal que os condenava; era o artigo no jornal que os tinha ofendido; o empresário que não pagava o imposto revolucionário… E quando não se percebia que ligação haveria entre a vítima e os seus verdugos aventava-se que a vítima podia ser um informador. Ou um narcotraficante, porque a ETA queria o País Basco livre de drogas.

A par dos atentados, a ETA desdobrava-se em várias organizações legalíssimas e activíssimas no combate à violência (das autoridades policiais, claro) e de promoção dos direito humanos, (dos terroristas obviamente). Advogados, professores universitários e jornalistas desdobravam-se, em Espanha e fora dela, em concentrações e conferências de denúncia destes graves atentados à democracia. Ainda por aí andam folhetos em que ilustres participantes portugueses se propunham mediar entre a ETA e o intransigente Estado espanhol.

Até que a 10 de Julho de 1997 a ETA sequestrou Miguel Ángel Blanco, um vereador do PP em Ermua, e deu dois dias ao Governo, então presidido por Aznar, para reagrupar os presos da organização (independentista e não terrorista, segundo boa parte dos orgãos de comunicação). A 13 de Julho o cadáver de Miguel Ángel Blanco era descoberto e nasceu o chamado Espírito de Ermua em que para lá do PSOE e do PP terem estabelecido uma espécie de pacto de regime no combate ao terrorismo a sociedade espanhola deixou de procurar as culpas das vítimas em cada atentado.

Resultado: a ETA foi derrotada. Mas só a ETA, porque o discurso do terrorismo, enquanto resposta automática e não como estratégia de vontade própria, esse apenas mudou os protagonistas do seu enquadramento.


Agora que os mortos se contam na França de Hollande e não na América, para mais de Bush, resta-nos pelo menos a esperança de que esta diferença geo-política nos poupará ao destravamento delirante das teorias da conspiração, mas não será suficiente para nos livrar do momento em que os atentados deixam de ser atentados para se tornarem mediaticamente falando na resposta os que fizemos, fazemos ou pensamos vir a fazer.

Quer isto dizer que não acredito nas promessas de união para combater o terrorismo, promessas reiteradas dramaticamente nestes dias? Na verdade não acredito que este seja o momento Ermua da Europa. E não acredito por duas razões. Em primeiro lugar porque combater o terrorismo islâmico implica não apenas, como no caso da ETA, cooperação internacional – alguém ainda se lembra dos “santuários” da ETA em França e de como eles acabaram? – mas coordenação internacional. Mais difícil ainda de conseguir, e aqui chego à segunda razão, ou melhor dizendo ao segundo conjunto de razões: combater o terrorismo islâmico pressupõe intervenções militares e policiais que só se fazem com o tempo longo dos pactos e a resiliência que nasce das convicções.


Ora nós vivemos o esboroamento do centro e trocámos as convicções pelas indignações: às primeiras imagens de uma operação mal sucedida e aos primeiros homens caídos, político europeu algum fora do Reino Unido resiste às “manifestações pela paz”, até porque logo os seus rivais usarão esse apelo como argumento eleitoral.

Politica e mediaticamente falando (o que é quase a mesma coisa), a Europa e em parte os EUA alienaram o incómodo estatuto da soberania pelo simpático (mas mortífero) conceito de principado. Ou seja, os seus cidadãos sonham ser ricos, cultos e livres e acreditam e sobretudo querem acreditar que podem manter a sua segurança e a sua dignidade através da distribuição das suas sobras e estabelecendo alianças com outros para que estes primeiro combatam por si e depois para que não a ataquem (qualquer comparação com a Roma da decadência não é casual).

Por isso, se me pedirem um símbolo destes dias eu não escolho a Torre Eiffel, nem as flores, nem as velas mas sim um rosto que não vimos. O de Zouheir. Quem é Zouheir? O segurança que impediu a entrada de um dos terroristas no estádio onde decorria o França-Alemanha. Esperar-se-ia que o rosto deste homem que evitou a catástrofe implícita ao rebentamento das bombas dentro do estádio estivesse na capa dos jornais. Afinal foi um dos heróis dessa sexta-feira. Pois foi e por isso tem medo. Medo que se vinguem nele ou na sua família por te feito que devia fazer.

Zouheir somos todos nós.»


14 de novembro de 2015

LA DOUCE FRANCE ESTÁ SANGRANDO


Brueghel, O triunfo da morte

      Mais de 300 seres humanos, entre mortos e feridos, é o balanço resultante da brutalidade islamita fanatizada, mas também do desleixo e do fechar de olhos e ouvidos, “politicamente correcto”, dos próceres gauleses de facções bem determinadas.


   O povo francês, que tem tido uma paciência quase bíblica para com certos incompetentes políticos, merecia melhor sorte.

***

  É necessário de uma vez por todas, por outro lado, desmascarar certos seres abjectos, cínicos e hipócritas que de cada vez que o fascismo verde perpetra um ataque mortífero vêm dizer sem pudor "atenção, não incrementem leis securitárias!".


  O que eles querem com isto é impedir-nos de destroçar esse tipo de fascismo. Tal faz parte da estratégia de destruição da Democracia, que é comum aos apaniguados do islamismo, aos viúvos do Muro e aos novos estrategas do fascismo vermelho pós-estalinista.

   A Segurança democrática não tira liberdade a ninguém a não ser aos INIMIGOS DA LIBERDADE real! E estes não têm direito a usufruir da Democracia. Esta existe para gente de bem e não para proteger assassinos.


  Os freitas do amaral que achavam que as críticas a maomé são ofensas não passam de carolas compreensivos dos fascistas verdes. E os mários soares que propunham "conversações" com terroristas anti-semitas não são mais que imbecis intelectuais ou canalhas conceptuais sem retorno.

  
  É preciso afirmar alto e claro estes valores, que subjazem a conceitos legítimos, sem nos deixarmos intimidar.

  Dizia Goebbells, que foi quem no jornal das SS inspirou o acordo estabelecido entre Hitler e o Grande Mufti Aj Amin al-Hosseini, que para se vencer um adversário tem de se começar por paralisá-lo. Pois bem: não cedamos à paralisação de obsceno signo "politicamente correcto”, despudorado e autêntico aliado do totalitarismo islamita!


  Os assassinos e os fanáticos corânicos têm, natural e sensatamente, sem a má-consciência insinuada que é fruto da propaganda matraqueante dos usuários da “agit-prop” pró-jihadista, de ser controlados e infiltrados. É uma questão de defesa própria, legítima nesta guerra – finalmente percebida pelos hollandes abúlicos ou babujadores – que nos foi movida pelo fascismo verde. Na Síria e nos lugares que ocuparam cavilosamente alguém tem de bombardear os oleodutos e as bases barbaramente geridas pelos radicais, congelar-lhes as contas da venda do petróleo, dos impostos a que obrigam as populações sob ameaça de morte imediata, dos produtos dos raptos e vendas de escravos e impedi-los de comprarem armas no mercado negro. E responsabilizar os estados árabes que os ajudam e apoiam.


  Em Portugal, nunca facilitar que se sintam impunes e fora da lei, agredindo as mulheres, lavando o cérebro às crianças como se fossem um Estado dentro da Nação, fazendo exigências absurdas e abusivas e efectuando nas barbas dos nossos governantes, que isso permitem com a alegação cobarde e falaciosa de que do mal o menos, pois assim se mantêm calmos (ou seja, a velha táctica que Ignazio Silone denunciou, como falsa e absurda, de ”levarem socos para não apanharem pontapés”).


  E aos que propalam, sem rebuço, que o jihadismo é uma consequência de manejos de dirigentes ocidentais, responder sem temor, desassombradamente, que em 711 não havia nem iraques nem jogos de petróleos e no entanto fomos invadidos até aos Urais.


  E – razão principal e ponderosa - que nós não somos dirigentes ocidentais, que somos cidadãos vulgares, do quotidiano, que merecemos a paz democrática que levou tantos séculos a conquistar, sem estarmos debaixo da férula de padres ou de mulás ou de senhores da guerra criminosos.


  Foi, há cerca de duas semanas, emitida uma Declaração subscrita pelo pretenso califado, referindo que em breve começariam os ataques em França, Espanha e Portugal no sentido de estabelecer em dois anos o antigo Al-Andalus, região submetida pela voracidade dos conquistadores totalitários daquele tempo.


  Em França aí está a realidade insofismável que a cegueira e a incompetência de Hollande y sus muchachos não soube evitar em tempo útil (agora, casa roubada, trancas na porta).

  Temos o direito de exigir que os por vezes ingénuos ou desmazelados operadores de topo lusos não permitam aqui o mesmo cenário sangrento.