A propósito do post anterior, acrescento eu este outro artigo de Alberto Gonçalves, publicado na revista Sábado da passada quinta-feira.
Um poeta na cultura
Juro pela minha saudinha que
nunca ouvira falar do novo ministro da Cultura até ao respectivo anúncio, que
aguardei a tremer. Felizmente, meio mundo possuía uma opinião abalizada sobre o
dr. Castro Mendes e elucidou-me num instante. Os jornais disseram que o homem é
diplomata e escritor (ou "poeta diplomata"). Personagens secundárias
produziram elogios secundários. E o Presidente da República, com típica
moderação, jurou tratar-se de "um grande poeta, um grande ensaísta" e
"uma grande figura da Cultura portuguesa, além de ser um magnífico
embaixador". Como dava um trabalhão telefonar para os países por onde o
dr. Castro Mendes passou, não confirmei os predicados diplomáticos. Como é
fácil catar textos na Internet, pude verificar os atributos poéticos. E fiquei
abismado.
Fontes diversas divulgaram sobretudo o seguinte
trecho: "Nós vivemos da misericórdia dos mercados/ Não fazemos falta./ O
capital regula-se a si próprio e as leis/ são meras consequências lógicas dessa
regulação/ tão sublime que alguns vêem nela o dedo de Deus./ Enganam-se./ Os
mercados são simultaneamente o criador e a/ própria criação./ Nós é que não
fazemos falta."
No que toca à forma, percebe-se que isto é um
poema apenas porque as frases se partem ao meio e estendem-se por mais linhas
do que as necessárias. Se eu/ escrevesse dessa maneira/ esta crónica deixaria
de ser/ uma mera crónica e ascenderia/ à sublime dimensão/ poética.// Também
seria provável que a SÁBADO/ me mandasse/ passear. Acerca do conteúdo, é
evidente que o dr. Castro Mendes dispõe de firmes convicções ideológicas. Por
azar, é o tipo de ideologia expectável num adolescente que assiste a um
colóquio do Bloco no ISCTE.
Veja-se outro exemplo, a primeira estrofe de O Sonho
de Schauble: "Estavam os mercados em sossego/ dos seus juros
colhendo doce fruto/ naquele encanto de alma ledo e cego/ que o Centeno não
deixa durar muito;/ as bolsas escalando com apego,/ os olhos das agências bem
enxutos,/ saltando e sorrindo sem cuidado:/ mas eis que Portugal tem outro
fado!" Temos lirismo, temos glosa camoniana, temos análise económica,
temos graxa ao PS e temos a presença, inédita na história da literatura, de um
ministro das Finanças em verso decassílabo.
Quem escreve assim não é gago. Nem grande
escritor, convenhamos. É justamente o género de portento que passa por
intelectual em nações exóticas, e que me diverte em doses imoderadas. Se
qualquer titular da "Cultura" serve para distribuir o meu dinheiro
pelos "agentes" do sector, este pelo menos promete retribuir-me com
comédia. Não quero menosprezar o filho de Mário Soares, mas duas novelas
"eróticas" remotas e umas atoardas no Facebook não se comparam à
avantajada produção "literária" do dr. Castro Mendes, sujeito capaz
de se citar a si mesmo e obra em progresso capaz de considerar que "cada
poema é um encontro".
Imagine-se agora centenas de poemas, muitos a
vibrar de galhofa involuntária. A mim convenceu-me. Termino com uma homenagem,
de 2010, ao comunismo brasileiro e ao seu chefe de propaganda: "Sei que
estás em festa, pá:/ Lula deu grana!/ E o Brasil ganhou fama/ e prestígio pra
xuxu!"
Não fazemos falta? O dr. Castro Mendes fazia
imensa.